12 março 2012

Começando nosso Ano...

Faz tempo que queremos publicar alguma coisa do blog, do Fábio Ludwig, pai do Antonio, marido da Ana, redator publicitário. O Antonio tem uma síndrome rara. Escolhemos um dos seus textos, e foi difícil escolher, pois, há tanto textos formidáveis no seu blog. Como poderão ler, ele passou a escrever esse blog depois que nasceu seu filho. Compartilhamos este texto porque acabou o carnaval, e agora como dizem começa o ano. Então vamos construindo nossa humanidade na prática de sermos bons conosco e com todos, construindo um mundo de convivência igualitária, inclusiva, solidária e cuidadosa para conosco e para com os outros.


"Top five"  

 

 


“Parada de fim de ano. Volto no dia 11. Feliz 2012 para todos nós.”
 

"Esta frase foi escrita pelo jornalista e escritor Daniel Piza, em seu blog, no site do jornal O Estado de São Paulo, no dia 28 de dezembro do ano passado. Dois dias depois, Piza faleceu devido a um AVC. Assim, sem mais nem menos. Sem chances de evitar, sem chances de prever. Uma interrupção abrupta da vida: um crime. Poderia ser eu, poderia ser você.
 
Sempre tive uma péssima relação com a morte. Entendo que é um processo natural, mas invariavelmente fico com um sentimento de injustiça, como se fosse cedo demais, ou cruel demais, dependendo do dia ou da forma que a maldita resolva aparecer. Por mais que o próprio moribundo aceite que chegou a sua hora, o que se faz com quem fica para trás? Morte é pessoal e intransferível, mas parece que leva um pouco – às vezes muito­ – de quem continua a viver.


Há alguns dias circulou pela internet uma carta que um inglês, vítima de câncer, escreveu para os filhos antes de morrer. As crianças eram pequenas e ele sabia que tinha pouco tempo pela frente. Então deixou diversos conselhos por escrito, para que seus filhos lessem quando pudessem compreender – e para que soubessem um pouco mais dos valores deste pai que mal puderam conhecer.
 

A carta é emocionante. Não só pela ética e pelo carinho transmitidos a cada palavra, mas principalmente pelo paradoxo que aquele homem viveu quando teve a própria morte anunciada. Ao mesmo tempo em que estava indubitavelmente triste pela consciência do próprio fim, soube ver a oportunidade que tinha nas mãos e agarrou com todas as forças o privilégio de poder se despedir. Disse tudo o que precisava ser dito. Melhor, deixou por escrito. Com aquelas poucas linhas, marcou seus filhos para o resto da vida, mesmo sem poder estar presente. Faleceu com um motivo a menos para se arrepender.


Também no fim do ano passado, em outro texto que chegou a mim pela internet, Frei Betto mencionou uma australiana que trabalhou com doentes terminais e que, com base nesse convívio, elencou os cinco principais arrependimentos de quem está perto da morte. São eles:

1. Gostaria de ter tido a coragem de viver uma vida verdadeira para mim, e não a que os outros esperavam de mim.

2. Gostaria de não ter trabalhado tanto.

3. Gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos.

4. Gostaria de ter tido mais contato com meus amigos.

5. Gostaria de ter tido a coragem de me dar o direito de ser feliz.



Fiquei um bom tempo refletindo sobre o terceiro ponto: “gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos.” O que nos impede? Minha hipótese é que muitos de nós não estamos acostumados a dizer o que sentimos porque nos achamos isentos da efemeridade da vida. Mudos, vamos tomando o não dito por dito, perpetuando situações mal resolvidas, deixando emoções subentendidas, até que um dia a vida cobra a conta. Medalha de bronze. Terceiro maior remorso na hora de bater as botas.


Casos como o de Daniel Piza são brutalmente inesperados, por isso nos assustam e nos entristecem tanto. Por outro lado, o anúncio antecipado da própria morte, como o do pai inglês, também é um presente bastante amargo de se receber. Como falei, minha relação com a morte é a pior possível. Todas as hipóteses são ruins. Sessenta, oitenta, cem: qualquer idade é pouco para tudo o que tenho vontade de fazer.


Porém, se quisermos fazer uma leitura menos mórbida, a vulnerabilidade do ser humano e a iminência da morte são também uma oportunidade de renascimento. Há poucos dias um amigo se livrou de um acidente de carro impressionante: rolou barranco abaixo, foi jogado para fora do veículo, mas teve apenas alguns ferimentos. Tive também a oportunidade de conhecer uma pessoa que sobreviveu a dois AVC e se recupera incrivelmente bem.
 

Não vou cair no lugar comum de dizer que temos que viver cada dia como se fosse o último. É ingênuo na teoria. E impossível na prática. Porém, já que a vida não está mesmo em nossas mãos, o melhor que temos a fazer é tentar diminuir aquela lista de cinco arrependimentos ali em cima. É isso que tenho feito a cada texto que escrevo. Pouco a pouco, o terceiro tópico da lista (“gostaria de ter tido a oportunidade de expressar meus sentimentos”) vai sumindo da minha lista de possíveis pesares. Talvez um dia eu até possa me arrepender de expor uma parte importante da minha vida pessoal aqui. Mas com a quantidade de apoio que tenho recebido, com a quantidade de amigos que têm aparecido e reaparecido, posso afirmar com segurança: de solidão não vou morrer."
 

Para quem tiver interesse, todos os links que comentei no texto:

Blog do Daniel Piza

Carta do pai inglês: 28 lições de vida

Texto de Frei Betto: A arte de reinventar a vida





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